A Alma Precisa Sair Pra Passear


Chove lá fora. Minha avó costuma dizer quando o tempo nubla: 'o dia tá tão triste hoje'. Triste e bonito, um cinza bonito. Nem branco, nem preto. Cinza! Só o dia cinza pode ser belo e triste. Bendito cinza!

Enquanto as idéias 'fervilhantes' prolongam a cinza manhã, o café, ainda pela metade, esfria na xícara.
Na playlist, hoje é dia de Cartola.
Uma 'pessoa recente', mas já querida, enviou-me 'Cartola' ontem. Uma amiga semeadora. Fiz de minha alma terra boa para boas sementes por causa de pessoas como ela.

Cartola e silêncios conversam em mim. Procuro deixá-los à vontade. Mas observo atenta. Preciosa e necessária conversa.

Cantando, Cartola diz que precisa encontrar-se, e em busca de si, sai pra assistir ao sol, aos rios, aos pássaros. Para conhecer-se, olha para fora. Para encontrar-se, olha com mais atenção para o que não é ele mesmo, mas que, de alguma forma, também o é.

Precisamos, urgentemente, arejar nossos porões.
Nossa alma precisa sair pra passear.

Precisamos dar atenção ao que vemos...
Para que o sol não se resuma a 'calor infernal';
Para que o rio não seja apenas 'água em movimento';
Para que a sinfonia dos cantores-pássaros e sua beleza multiforme não sejam, a nossos ouvidos e olhos, cantos distantes em uníssono e vultos coloridos apenas;
Para que a cinza do dia não seja apenas tristeza.

Nossa alma precisa sair pra passear.
Precisamos arejar nossos porões.

Dante disse que 'sempre nos dana a pressa que nos apossa'. Nossa alma trancou-se numa ampulheta que anda mais depressa que o ponteiro de segundos do relógio na parede diante de nós. A nossa pressa pra sobreviver faz escoar nossa alma como/com a areia. Não vivemos, escorremos. Existimos 'apesar de', ignoramos os 'por causa de'. Sobrevivemos. 'Subvivemos'.
De nossos porões escuros olhamos a vida. Aos nossos olhos, pedra é só pedra mesmo, sempre. Falta-nos poesia nos olhos, não no mundo.
Minha 'amiga semeadora' disse que gosta de sair para olhar barquinhos na água. E me disse também que quando a gente quer sempre acha tempo e ocasião pras nossas paixões. Precisamos achar.

A beleza que enxergamos nas coisas fala muito mais de nós do que das próprias coisas.
Sempre haverá poesia no sol, nos rios, nos pássaros e nos barquinhos sobre a água. Mas, se nos olhos de quem olha não houver beleza, sol, rio, pássaros e barquinhos não passarão de substantivos frios e indiferentes.

Minha amiga semeadora tem poesia nos olhos. Como criança que desbrava mundos novos com seus barquinhos de papel, ela desbrava seus próprios mundos quando leva a alma pra passear na Ribeira e, de seu banco de concreto favorito, seus olhos admiram e brincam com os barquinhos.


Aprendi com Cartola,
Aprendi com ela:

A admiração das coisas que estão para além de si é, ao mesmo tempo, encontro marcado (e sagrado) consigo mesmo.
Nascemos. Renascemos. Vivemos. 'SuperVivemos'.

Livre, leve e sem pressa...

A alma precisa sair pra passear!






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