Sonhos em Agualusa

Leio Agualusa* e termino com vontade de continuar. 
Há autores que não queremos largar mais. Um livro inteiro sobre sonhos.
Sonhos que cada um tem e que, no fim, todos sonham juntos.
Pus-me a pensar a respeito...
Não entendo muito de sonhos e entendo só um pouco de realidade,
vivo quase sempre sem entendê-la o suficiente.
Mas falar de sonho pra mim é coisa difícil, mais do que de vida real.
Agualusa diz que ‘os sonhos são o que temos de mais íntimo’ e
que ‘a intimidade é assustadora.’
Talvez seja isso, talvez por isso eu não sonhe tanto. Acho que a
gente foge é da realidade quando vive sonhando. Mas não tem
jeito, ela sabe impor-se.
Tarefa difícil deve ser essa de manter-se sonhador. A vida não
desiste de tentar exaurir os sonhos de quem sonha.
Leio livros para aprender a pensar a vida de um jeito mais leve.
Ela é, por vezes, ácida e insustentável. Leio para olhá-la e não
ver dela apenas nudez e crueza. Leio para ganhar olhos que
vejam a história por trás de cada coisa, por mínima e simples que
seja. Leio para que razão e emoção sejam felizes amantes que se
completam, pensando e sentindo a vida juntos.
Gente apaixonada olha pra vida de um jeito diferente.
Gente apaixonada toca os objetos, as pessoas, a vida e deixa uma história gravada;
E, porque sabem deixar de si nas coisas que tocam, essa gente também sabe ler na
vida as histórias que outros deixaram.
Em sua viagem ao Peru uma amiga passou por um lugar chamado
‘Miraflores’. Sim, Miraflores, como a cidade do Tistu, ‘o menino
do dedo verde’; antes era Mirapólvora. Sobrevivia, a cidade
inteira, da indústria da guerra, fazendo canhões para munir
igualmente os dois lados das batalhas. Não fazia nenhum sentido
na cabecinha do Tistu. A guerra nunca faz sentido pra quem ama a paz.
Tistu, com seu dedo polegar de florescer o mundo, fez nascer flores
nos lugares mais feios, frios e obscuros. E a cidade passou a ser chamada,
não mais Mirapólvora, mas Miraflores.
Emocionou-me o fato de a bandeira da Miraflores da amiga viajante ter
balas de canhão e uma flor. É bonito quando coisas ‘comuns’ nos
comunicam algo; quando, de lugares e tempos totalmente diferentes,
as coisas conversam dentro de nós.
Leio pelo prazer de linkar coisas, a vida sendo entretecida por uma
rede de fios bem finos enquanto caminhamos. Leio, não somente
para adentrar mundos encantados, mas para ganhar olhos
encantados. A vida ganha leveza quando a ternura umedece-nos os olhos.
Olhos marejados de encanto não deixam a aridez do caminho
grudar neles. Há quem pense que deixar-se comover e encantar é
coisa de gente fraca, de criança ou adulto ingênuo. Pelo contrário, penso que o
encantamento é questão de sobrevivência. Leio para renovar o entendimento,
para tranformar-me em alguém melhor do que eu.
Leio para entender e sentir melhor os outros.
Quem sabe do regar incansável das emoções não brotem sonhos daqui a pouco.
Coração que se deixa comover é terra boa pra os sonhos.
Quem sente sonha!





“Não procuro algo que faça sentido. Pelo contrário, quero algo que
desfaça o sentido comum das coisas.”
***
“Voltei a sonhar. Voltei a ser sonhado.”

(Trechos em "Sociedade dos Sonhadores Involuntários", de José Eduardo Agualusa)

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